Tempo quente

Dia quentíssimo, mais de 35 graus. Até o asfalto tá mal, derretendo. Eu e ele. Ar condicionado não dá conta nesse para e anda. Eu, aqui no volante, pra lá e pra cá há horas. Hoje só passageiro chato, gente enfezada. Querem me ensinar o cainho! Estou careca de saber tudo sobre o Rio, Zona Norte e Zona Sul. Dá vontade de gritar  “nasci aqui, porra!” Vou me segurar.  Por muito menos, joguei passageiro pra fora. O carro é meu, fica quem eu quiser. Não aguento mais. Bandeira dois, ganho mais, mas não dá, com esse calorão não dá. O trânsito tá uma merda, todo mundo nas compras ao mesmo tempo. Natal… tô fora. Lá em casa não tem presente, só uma ceiazinha mixuruca e olhe lá. Fizeram cara feia. Que trabalhem, ganhem dinheiro. Só eu no lesco-lesco! Tô cansado. A mulher emburrou, reclamou. Queria peru e eu comprei chester. Tá bom demais, devia ser frango assado da padaria, isso sim. Cambada de preguiçosos! Ah, finalmente. Passageiras. Duas moças bonitinhas. Pra São Conrado?! Fodeu.  Mas, é a última corrida, pego a Linha Amarela pra casa. Vai demorar, mas vou faturar.

— Moço, dá pra aumentar o ar? Aqui atrás tá muito quente.

— Sim, claro.— Lá se vai minha gasolina… 

— Tá bom agora?

— Tá, obrigada.

As duas tão conversando baixinho, mal dá pra entender. Falam das compras, conseguiram tudo. Riquinhas rançosas. Virada do ano em Angra, casa de amigo, tudo de graça. Não tenho essa sorte. Cochichando de novo, às gargalhadas. Muito alto, que saco! Minha mãe dizia que era frouxo de riso. Levei muito beliscão na missa por causa disso. A voz do padre em latim, cantando mal em latim… eu não aguentava. Quanto mais ela me beliscava, mais tinha vontade de rir. Se controlaram, ainda bem. Já tava zonzo.

— E o Carlos, cê viu? Tá bonito, engordou. — Falou a loirinha.

— Cê gostou de ver o cara, né Laura? Tava com saudade, confessa… ficou toda animada. 

— Nunca pensei encontrar o Carlos num supermercado! Ele detestava compras, não entrava em loja, quanto mais supermercado. Fazendo compras pra mãe dele!

— Ah, não fala nisso. Ele te perguntou se você queria ver…dura! — hahaha.

As risadas voltaram, as duas se esbaldando, e eu ficando louco. 

— Minha barriga tá doendo, para com isso Bia. 

— Num dá! — haha. — E a tua cara… — quando eu repeti ‘Ver dura?!’ — hahaha

— Claro, cê me encarou, falou devagarzinho ‘ver dura’.  

— E você precisada, né? 

— Muito! —  as  gargalhadas  se sucedem, cada vez mais altas.  

Fala sério, isso é comportamento de moça? Querem ver uma dura e grande, tá bem aqui. Não aguento essas duas. Até São Conrado meu saco vai ‘tar na lua! Num param de rir! Lotou, transbordou.

— Moças, não vai dar! O trânsito não anda. Melhor vocês pegarem o metrô, tá pertinho daqui.

Não queriam sair. Fui firme, botei as duas pra fora. Vão pegar sol na cuca pra ver o que é bom. Chega de barulho no meu ouvido. Tô mal. Ver dura?! Isso é coisa que se diga na frente de um homem? Piranhas.

Conto do livro Vermelho

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