Silenciando a Voz Interior
Qualquer autor é sempre o primeiro leitor de si mesmo. Essa dupla representação os faz aceitar e celebrar contradições, buscando o prazer numa leitura que dispense clareza absoluta ou coerência.
Quando me preparo para compor, já com um tema em mente, tenho questões técnicas a decidir, escolhas fundamentais que podem dar dinamismo, causar surpresa, incluir contradições — tudo em busca de uma escrita que seduza.
Mas como, hoje, criar algo que reflita, sem hierarquias, tanto o deleite de quem escreve quanto o de quem lê? Uma fala interna se apossa de minha escrita. Ela corrige vírgulas, censura parágrafos “didáticos demais, parecem aula de cursinho de escrita criativa”.
Sim, é minha voz interior. Mas ela costumava sugerir correções apenas quando eu iniciava a revisão do escrito. Ela destacava palavras ou pontos repetitivos, confusos ou fora de contexto; detalhes a acrescentar ou eliminar. Agora, ela me paralisa e impede que diferentes opiniões dialoguem ou coexistam. Conclusão: já de início não seduzi meu primeiro leitor. Espaço de fruição, jogo entre desejo e surpresa, interação dinâmica — esqueça. Como silenciar essa interferência? Como?
Tenho que me distrair. Mas não consigo! Estou presa ao que ouço: “O escrito precisa demonstrar desejo pelo leitor”. O deleite da leitura surge quando a linguagem é manipulada, reinventada e seduz o leitor, instigando-o a continuar. No momento, há uma única manipulação: a que me leva ao desespero, a gritar “cala a boca”, socando a mesa e rasgando folhas de papel. Sinto-me uma autora anulada. Esforço-me para ser sensata, seguir normas culturais e linguísticas ou subvertê-las conscientemente — mas hoje estou me subvertendo.
Barthes afirma que o gozo com o escrever habita o espaço entre seguir as normas e rompê-las, alcançando uma tensão erótica que desafia e transforma a linguagem. Eu é que estou sendo desafiada a me transformar em um monstro! Tensão erótica? Nessas circunstâncias, impossível. Nem mesmo o mais simples traço ganha vida. Meu crítico interno me aniquilou.
Segundo Barthes, não há escritor ativo e leitor passivo. Pode ser, mas no meu caso esquizoide, há um leitor ativo e um escritor passivo. O texto não me pertence; é da interferência irritante. O tal espaço onde autor e leitor se encontram de forma indistinguível está invertido: não há encontro. Um manda, o outro se submete.
Ideia! Lançarei mão do meu querido hábito de falar comigo mesma. Ele vai me socorrer calando de vez esse som interior que policia e castra. Vou produzir livremente, lendo em voz alta, ponto por ponto, o que coloco no papel. Minha algoz terá de se calar e esperar pacientemente que eu conclua o que desejo dizer. Quando a obra estiver pronta, talvez ela possa me ajudar — ou me surpreender.
Decidido isso, olho para a página em branco e fecho o caderno. Meu crítico interno sorri, satisfeito com seu silêncio momentâneo. Eu fico encarando o vazio como quem olha para um espelho. Talvez aí resida o prazer: em não saber quem vai vencer, mas, mesmo assim, continuar escrevendo.
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