No caminho
A lagoa está deslumbrante hoje. O espelho d’água sem nenhuma ondulação, nada que interrompa sua serenidade. Queria tanto ficar aqui, absorvendo a calma que ela generosamente oferece. Mas o dentista me espera. Vou deixar a tranquilidade para encarar a expectativa de dor numa cadeira desconfortável. Ele pode ser a pessoa mais gentil do mundo mas, em seu consultório, é meu algoz. Para mim não existe ida ao dentista sem dor, seja ela física ou mental. Sinto-me tensa. Vou me concentrar na caminhada até o consultório. Talvez me acalme.
Praça N.S da Paz, enfim! Vou cruza-la para cortar caminho e me encantar com a beleza do verde e o aroma das flores. Mal entro na praça e paro, impactada com o que vejo do lado esquerdo da entrada: um semicírculo de idosos em cadeiras de rodas acompanhados por cuidadoras. Uma delas, ajoelhada, fala com um senhor, pedindo que ele levante a cabeça, que olhe para ela. Ele não reage, permanece cabisbaixo, com a postura curvada como se não aguentasse mais o peso dos anos.
Muito perturbada, olho para o outro lado. Babás uniformizadas cuidam de crianças que ainda não sabem andar, mas já transbordam de vida em seus carrinhos. Há um pequeno bolo de aniversário sobre um banco. Bracinhos se esticam para pegar balões coloridos, um arco-íris descido do céu. Olhos curiosos, bocas sugando chupetas, ou brinquedos macios, absorvendo o mundo com uma avidez encantadora. É um grupo em festa, que ri e conversa alegremente.
Olho para a direita, para a esquerda, aflita com o que vejo. De um lado, a vida em sua plenitude, desabrochando, cheia de possibilidades; do outro, o crepúsculo, a espera pelo inevitável fim. Os idosos, ancorados em suas cadeiras de rodas, já não podem mais se erguer. Será que ainda pensam? As crianças, ainda confinadas aos carrinhos, não têm ideia de que um dia conquistarão o chão com seus próprios pés.
Eu, idosa, me pergunto se um dia farei parte de um grupo silencioso, dependente de tudo. Serei poupada desse destino? Uma nostalgia profunda por um tempo que vivi, mas do qual pouco me lembro, me invade. Os álbuns de família sempre me revelaram fotos de uma criança sorridente, cheia de energia, nos braços de alguém ou no conforto de um berço. Cenas que foram capturadas por quem queria que eu, um dia, tivesse ideia do começo de minha vida.
Ah, sinto a dor da saudade, mas também muita inveja dos idosos, crianças e babás aqui na praça. Por mais diferentes que sejam seus momentos de vida, não precisam encarar, como eu, o medo e a dor que me aguardam no dentista.
Respiro fundo e acelero o passo.