Delírios, servem pra quê?
Dizer que meu coração sangra é lugar comum, mas eu sou um imenso lugar comum: o do sangramento, da dor, da perda, do impacto acachapante de ser um projeto não realizado e sem tempo pra ser iniciado.
O que ouvi ontem rompeu meus diques, trouxe à tona a lama contida, inerte, pegajosa. Tudo que não resolvi, que fingi não ver me inundou. Um gosto amargo arde na minha garganta. Mal consigo respirar. Acumular tanto lixo, pra quê? Quero vomitar tudo isso num jato só. Me esvaziar, me limpar.
Mas, afundo na areia movediça que, aos poucos, me consome. Ela manda, se impõe, me envenena e paralisa.
Sou mole, frouxa, como minha mãe me chamava?!
Preciso do marabu do conto do Elias Canetti,
“Eu o vi mais uma vez, exatamente uma semana depois, novamente numa tarde de sábado. Estava diante da mesma loja, mas não tinha nada na boca nem mastigava nada. Lançava sua súplica de mendigo. Dei-lhe uma moeda e esperei para ver o que seria dela. Logo começou a mastigá-la com esmero, mas, enquanto se ocupava daquilo, um homem veio até mim e me explicou aquele disparate:
É um marabu. É cego. Põe moedas na boca para adivinhar quanto o senhor lhe deu’. Então falou árabe com o marabu e apontou para mim. O velho terminara a mastigação e cuspira a moeda de volta. Voltou-se para mim, e seu rosto resplandecia. Disse uma benção, que repetiu seis vezes. Enquanto ele falava, senti que era tomado por uma simpatia e um calor humano tais como eu nunca sentira diante de qualquer outro homem.”(Canetti, Elias, As Vozes de Marrakech, COSACNAIFY, 2006, pg. 33)
Ah! Tudo por um marabu, homem santo com poderes especiais. Tenho certeza que me curaria, me libertaria desse lodo. Quero bençãos infinitas, queimar de calor humano, de vontade de viver. Que alguém ouça minha súplica de mendiga! Será que ainda dá tempo?
— Donzaábet…é Filó. Chóramainão, tá tudin na paiz. Vem maiseu, o café tássfriano…Tem broa de mio comssióra gossta. Vem, vem.
Ah! Voz doce, amorosa. A vida me chama,
— Tô indo, tô indo…