Sozinha

Ouço o que dizem — “está só, que pena, tão bonita”. Nada disso! Estou acompanhada das desgraças que me habitam, das desgraçadas que me cercam, e das graças que não me atingem, que flutuam à minha volta até que a brisa as leve.

Não me queixo, sou formada em abandono. Sou como mobiliário de rua: pra ser visto, usado e posto de lado. Há os que querem me “salvar, proteger, e abrigar…”. Fujo deles, querem me prender! Já sou presa dos desejos dos outros, mas não sou presa fácil.  Há impulsos que pareço tolerar. Finjo pra me defender, e pra ter o que comer. Bem sei o que é  fome , e não quero mais pra mim. O resto me chega e não fica.

Sonhos? Proíbo, afasto, pois só sabem provocar dor. Tenho lembranças esfareladas de um colo macio, gostoso. Há tempos que se foi sem adeus, sem até mais. Sumiu pra nunca mais.  Me afastei dos que me queriam prender, me dominar, me maltratar.

Sozinha ganhei o mundo, ou o mundo me achou. Lutei, fugi, perdi, a rua me aprisionou. Sou olhada, desejada, mas jamais serei conquistada. Sou bonequinha bonita que usam, abusam, e em momento algum levarão pra casa — não querem e eu não quero.

Assim vivo: me expondo e, sempre, escondida em meu ser. Ninguém me conhece, tento ignorar que me usam, que sou coisa pro prazer — dos outros. Penso, sinto, sem  externar. O que me é interior se esconde até mesmo de mim. É pra me proteger. Mas há, bem lá no fundo, coisas que de maneira nenhuma revelarei. Senti-las não é fácil, me trazem muita tensão, não alteram minha vida, não combinam com o meu viver. Me desassossegam, me escancaram o que faço pra sobreviver.

São minhas questões, bem sei. Fazer o quê? Me revoltar? Sei que não tenho como resolver. Sou de pouco tempo já vivido e de muito de vida sofrida. Até quando? Deixo o tempo decidir.

 

 

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