“Hibisco Roxo”, a tirania do colonizado

A leitura de Hibisco Roxo, de Chimamanda Ngozi Adichie, nos revela um livro interessante que trata  de colonização e seus efeitos sobre os colonizados: opressão, medo, extremismo religioso e cizânia entre e dentro de famílias. O livro fala também da incompatibilidade na solução de continuidade entre a Nigéria colonizada e a Nigéria independente.  Há dificuldades em relação à coexistência dos antigos valores nativos – reprimidos pelos colonizadores – e os valores adquiridos/impostos pelo longo tempo de colonização. Por terem sido assimilados, tais valores adquirem força na nação independente e encontram espaço para existirem “livremente”. A luta pelo poder político continua a existir na Nigéria independente, em detrimento da democracia e da liberdade de pensamento e ação para todos os cidadãos.

Interessei-me por Hibisco Roxo por ser um livro sobre a África escrito por uma africana. A África é um grande mistério para mim desde que as antigas colônias se tornaram países livres sobre os quais pouco ou nada sei.

A história  é narrada por Kambili, uma adolescente de 15 anos. Ela vive com seus pais e um irmão mais novo. Seu pai é empresário e dono de um jornal. Bem sucedido, ascendeu socialmente e, convertido a um catolicismo cego e cruel, renega sua cultura nativa e se recusa a conviver com seu próprio pai que se manteve fiel à sua origem. O pai de Kambili é extremamente generoso com pobres e carentes, mas muito severo com sua esposa e filhos. Ele os agride fisicamente de forma brutal quando é desobedecido ou quando acha que filhos e esposa pecaram. A jovem vive reprimida e com medo, tentando agradar o pai e se anulando  a ponto de não saber se defender, não conseguir se expressar ou questionar o que vê acontecer em seu dia-a-dia.

Já a tia paterna da  jovem é professora universitária e mãe solteira. Ela consegue, a duras penas, criar os filhos com liberdade, respeito e convivência harmônica. Católica, não renegou as crenças de sua origem. A convivência com a tia e com o Padre Amadi faz com que Kambili consiga amadurecer e perceber sua voz, identificar seus sentimentos, reconhecer sua condição de filha submissa e omissa, vislumbrando como sua existência pode passar a ser desde que tenha coragem de enfrentar o pai.

Para identificar mitos literários em Hibisco Roxo eu teria que ler o livro novamente, anotando tudo que surgisse. Então citarei parte de um texto escrito pela autora ao apresentar o livro:

A narrativa sobre a complexidade da formação psíquica e amorosa de uma adolescente africana é toda acompanhada pelas mudanças sofridas pelas flores e plantas: as buganvílias, os girassóis, os coqueiros, as casuarinas e especialmente, os hibiscos roxos – variedade fruto de um experimento único, que gera flores raras, cobiçadas por todos. O crescimento dessa flor rara na casa de Kambili, prisioneira das convenções, aponta para mudanças radicais em sua vida. O bem e o mal se misturam de forma ambígua, mergulhando o leitor numa história bem mais complexa do que supõem as aparências.

A autora descreve cenas e lugares, faz relatos em discurso indireto livre e cria diálogos inteligentes e verossímeis que nos permitem ver como pessoas comuns pensam e sentem os conflitos que existem nas famílias e na sociedade do país em que vivem.

A história começa com um enfrentamento entre pai e filho e parte para um flashback que dá condições ao leitor de conhecer o passado recente dos personagens e os conflitos que existem.  No final do livro, volta-se ao acontecimento do início, numa circularidade que aguça o interesse do leitor pelo final da história. A inclusão de muitos termos em Igbo, a língua da tribo dos principais personagens, misturada ao inglês herdado dos colonizadores, nos situa e mantém na Nigéria e nos fornece dados preciosos sobre costumes nativos, alimentação e crenças religiosas. Há muita musicalidade no dia-a-dia pontuando momentos de leveza em meio às dificuldades e o peso da pobreza.

Adichie consegue intercalar com suavidade os fatos e diálogos que nos falam da vida de Kambili com seus pais e o que presencia na casa de sua tia paterna, deixando que o leitor tire suas próprias conclusões sobre as realidades vividas. O final surpreende.

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