Voz Engasgada

Odeio quando me calo e a garganta pesa como se carregasse pedras. Odeio o silêncio que me cresce por dentro feito mofo. A oportunidade vem, linda, inteira, pousa na minha frente como um pássaro — e eu não movo um músculo. Só observo, muda. Me odeio por isso.

Na infância, eu sabia as respostas. As palavras estavam ali, alinhadas, esperando. Mas o peito apertava, a mão suava, e a voz sumia. Uma colega dizia o que eu também sabia, e ganhava sorrisos. Eu ficava com a mão erguida por dentro. Ninguém via.

Na adolescência, doía ainda mais. O corpo crescia, o peito se armava em curvas, mas por dentro eu era a mesma menina travada. Ou pior, porque agora tinha raiva. Eu me ouvia gritando dentro de mim: fala! fala! fala!

Mas a boca seguia seca. E quando falava, a voz saía pequena, tímida, quase um pedido de desculpa. Ah, sentia muita raiva! Odeio ter dito “tudo bem” quando não estava. Ter sorrido quando queria gritar. Ter deixado passarem por cima de mim, por medo de confronto, de ser malvista, de atrapalhar.

Na faculdade, uma colega me interrompia o tempo todo nas apresentações. Eu sabia que podia me impor. Mas engolia em seco. Educada. Pequena. Um nada. Saía da sala com o rosto queimando, não por vergonha, mas por ódio.

Às vezes, esse ódio se disfarça de tristeza. Mas é raiva mesmo. De mim. Da minha covardia. Da minha vontade de agradar, de não incomodar.

Por isso escrevo. Porque na escrita não hesito. Na escrita não tremo, não vacilo, não me escondo.

Escrevendo, grito.

Escrevendo, interrompo.

Escrevendo, sou tudo que não consigo ser quando me encaram.

Mas, não é o bastante. Ainda há dias em que eu queria mesmo abrir a boca e fazer o mundo ouvir. Dizer alto, com firmeza: “agora é minha vez.” Queria ter sido essa pessoa desde sempre. Queria ter enfrentado. Ter falado.

Odeio ter me calado tantas vezes. Odeio o quanto isso me moldou. Odeio o quanto me fez duvidar de mim mesma.

Mas esse ódio também me move.

Esse ódio me escreve.

Esse ódio me dá voz.

Mesmo que ainda em silêncio, continuo escrevendo. Porque escrever é a minha forma de existir em voz alta.

Um comentário

  • Vera Albuquerque

    Querida amiga,
    Que bom que encontrou sua voz!
    E agora não há mais como fazê-la calar , sua escrita é uma missão, é visceral , expressa de forma poética e sensível suas percepções, inquietações, saudades, alegrias, enfim um misto enorme de emoções .

    É um prazer poder entrar um pouquinho no seu mundo através da sua escrita. Ela diverte, emociona faz pensar, mas nunca é trivial.

    Parabéns amiga e obrigada por dividir seus pensamentos conosco!
    Grande beijo

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