Pedaços de vida
Mostra de portfólio, uma chatice. Jovens vibrantes, não prontos para ouvir. Os mais viajados dão de cara com o tempo perdido, o planejado e não realizado. E os trabalhos? Retornam às suas pastas vivos, tristes e sem reconhecimento.
Entre choros e risadas, um grito exausto: “não quero…não vou…não fico…mas vou. Ai! Não, não e não!” E risos dos que não sabem o que fazer com o que ouvem.
Vida tecida com um pouco de tudo, ou de muito um tudo, ou de pouco um muito. Papéis entrelaçados: mulher, mãe, professora em algumas horas, artista visual em outras, dona de casa nos intervalos, viajante quando possível, espectadora incansável, sonhadora incorrigível, criativa pouco ativa.
Eureka! Ela renasceu, um nascimento consciente. Com a autoestima renovada, retoma seu mundo fotográfico transgressor e subversivo. Sim, velha que dá conta do recado.
E a escrita como terceira margem? É uma entrega, sem domínio do externo, voltada para o interior. Sem ir e sem ficar, sendo levada, não importa para onde. Na correnteza da vida, sem passado e sem futuro, num imenso aqui e agora. Vagando, não se conduzindo — aceitando. Sem se deslocar, mas em todos os lugares. No fluxo da escrita num imenso aqui e agora múltiplo e variado. Seguindo, indo, sendo.
Sonolentas varandas ainda fechadas, envoltas em silêncio. Uma se abre e vozes inundam o ar. Uma jovem, aos pulos, inicia o aquecimento. O personal trainer , ao som berrante de disco music, dá partida aos exercícios. Aos gritos marca o ritmo da troca de pés, altura dos pulos, e o número de repetições para cada série. Parada só há três meses? Ainda em forma, vai dar show no carnaval. Samba no pé é fácil, você leva jeito. Ele vocifera estímulos e elogios varanda afora. O papagaio do vizinho mira a cena, virando a cabeça para trocar de olho, subindo e descendo pela trama da rede protetora. Suor e decibéis atingem níveis elevados. A moça mal respira, desaba no chão. O papagaio aos gritos de “quero café, quero café” vê o dia começar.
Olhar a paisagem é sentir falta de algo, de alguém. O que desejar? Não sei, duvido de tudo. Me falta a crença que me garanta, quando sem chão, não a firmeza mas a entrega ao voo. O último? Quem sabe…
O tempo não para, arrasta e empurra. Cansa. Mas o artista tem que ter força para carregar o peso de sua arte. Numa pasta? No coração? Nas intenções? Nas entranhas.
Viver é brincadeira séria, mas…brincar é preciso.