O touro, o rato e o orbe do caos

Era uma vez Tino, um rato atrevido que reinava, dentro de uma velha ucha, entre farelos, pães endurecidos, e biscoitos de aniversário esquecidos. Pequeno no corpo, mas otimista em excesso, tinha um plano ousado: humilhar um touro da fazenda vizinha — por pura diversão. 

Não um qualquer. Um de tourada, com nome de remédio para ressaca: EL Malacara. O bicho era enorme, musculoso, e quando opado, dobrava de tamanho. Valia uma fortuna em euros. Diziam que ao pisar na arena, o chão pediria arrego.

Tino ouviu isso e, ao invés de correr, fez uma aposta consigo mesmo: duas cascas de banana e um bombom vencido que eu faço esse boizão pedir demissão da vida pública.

Sua coragem vinha de uma arma secreta: um orbe. Um cristal azulado, reluzente, que encontrara no galinheiro, dentro de um buraquinho cheio de titica. A lenda dizia que o orbe protegia os fracos e causava coceira na alma dos fortes. Perfeito. As minúsculas bolhas de ar em seu interior formavam algo parecido com a runa úruz, símbolo do antigo auroque — um boi selvagem gigantesco que, se domado, provava a força e a maturidade  do guerreiro. Para Tino, era só um sinal de que tinha achado seu amuleto para enlouquecer touros.

O roedor se tornou uma presença furtiva na baia de Malacara. Começou devagar: cocozinhos no bebedouro, jatinhos de xixi no feno e na ração, sussurros macabros durante a madrugada:

— Maaaalaaacaaaaraaa… Sou seu carma roedor…

Malacara pirou. Tornou-se um orate desgovernado. Uma vez rendido, opôs fraca resistência. Passou a bufar para as sombras, morder o próprio rabo, e responder mentalmente ao rato:

— Saia da minha cabeça, criatura do inferno!

Em pouco tempo, já estava mais medroso que boi de procissão. Tinha olheiras, tremia ao ouvir o assobio do vento e se escondia quando ouvia o belo canto da pequena Tui, que cantava todas as manhãs com a alegria de quem não valia nem um euro.

Chegado o dia da grande tourada, EL Malacara até pensou em fugir, mas acabou na arena. Ao ver o público gritando, o toureiro rodopiando, o clarim tocando…travou. 

Tentaram empurrar, seduzir com feno fresco, prometer férias no campo e até dias na companhia da nova e belíssima vaca da manada. Nada.

— Está imprestável! — berrou o criador, chutando o animal.  — Mil euros jogados fora!

E lá do alto da frondosa sipeira, Tino assistia tudo comendo pipoca e roendo a casquinha de um sorvete (achados, claro). O minúsculo orbe brilhava em seu pescoço como colar de herói. E Tui cantava, como se dissesse: “facultosa vitória, senhor rato!”

Vitorioso, ergueu o punho, ou melhor, a patinha, e declarou:

— Nunca subestimem um roedor com tempo livre! 

Se a vida te dá uma pedra brilhante e um touro estressado, faça história.

Glossário

Facultosa — rica, opulenta, abastada

Opado — Inchado, dilatado

Orate — sopro maligno

Orbe — globo, esfera

Sipeira — arbusto brasileiro, sipaúba

Tui — coleirinho de canto inconfundível

Ucha – caixa, arca ou baú

08/08/2025

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