O combate dos tempos
Entrei no hospital com medo. Dores me avisavam que algo grave acontecia. Eu sabia que encontraria ajuda, mas atravessar aquela porta significava entregar minha autonomia. A urgência anulou o tempo para negociações ou acordos. Teria que enfrentar anestesia, cirurgia, e despertar em outra realidade: a de ver meu poder de decisão entrar em suspensão.
Aceitar que dependeria de outros para tudo era inevitável. Um corpo habituado à independência ficou imóvel, ligado a fios, tubos, soro, acesso venoso e que tais. A pressa que eu conhecia e administrava, minha velha companheira, batia contra um muro: o tempo real do hospital—lento, metódico, impessoal e descontínuo. É feito de fragmentos. Dormir nunca é inteiro. Quando os olhos pesam, a porta do quarto se abre para remédios, exames, coleta de sangue, verificação da pressão, da temperatura corporal, da saturação de oxigênio, do nível glicêmico da impaciente — essa que vos fala. Tais ações são introduzidas por perguntas repetidas ad nauseam: nome completo e data de nascimento. Serão elas as senhas de entrada no mundo dos lúcidos?
O tempo psicológico se acelera. Quero sair, voltar aos escritos, recuperar o fio da criação interrompido. Penso nas horas desperdiçadas, nos projetos suspensos. Sei que o corpo se move noutra cadência — a que insiste em impor pausas, em exigir repouso, em reconstruir-se por dentro.
Entre esses dois tempos, o da impaciência e o da biologia, cresce um outro: o emocional, que oscila entre gratidão por ter sobrevivido e irritação por depender de todos. Entre esperança nos sinais de melhora e medo de retrocessos.
A tecnologia ajuda: vídeo-laparoscopia, menos agressiva que os métodos tradicionais, com promessa de cura rápida. Mas mesmo esta ciência de ponta, que busca a superação de paradigmas existentes, não consegue apressar a cicatrização invisível, a lenta recuperação das funções básicas dos órgãos. O corpo tem e fala a sua língua.
Percebo que o tempo não se divide em real, psicológico, emocional ou biológico. Ele se mistura, me desmonta e me reconstrói.
No hospital, o relógio é o gotejar do soro, o ranger dos passos no corredor, o ininterrupto abrir da porta do quarto. O corpo ensina: não há pressa. A cura é uma espera.
É nesse intervalo que a vida se recompõe.
25/08/2025