Cuide-se, cuidem-se
Com a recente Pandemia, tudo sobre porque permanecer, de livre e espontânea obrigatoriedade, afastada do resto do mundo me abandonou. Suspender o regime de obediência cega aos cuide-se e mais cuide-se não foi uma escolha. Foi consequência de acontecimentos terríveis — um sobrinho na UTI com recaída da pneumonia.
Não era Covid, me animei. Há tratamento, ele é jovem, vai ficar bom. Mesmo assim, me internei no lugar da preocupação e do medo. Entremeava esses estados com lembranças, orações e esperança. Toda uma existência era repassada. Saraivadas de perguntas me atingiam, sem ordem, sem critério — Ele sente muito medo? Está com frio? Melhorou? Como estará meu irmão? Como estará minha sobrinha? Telefono de novo pra eles? Mando zapp?... Alimentada por sentimentos que não fazem bem, vivia na dor.
Mas, aconteceu. Beto nos deixou.
Semi recuperada do choque inicial, me dei conta dos muitos dias em que estive imersa num universo onde pandemia, falta de contato com filhos e amigos, e um mínimo de liberdade tinham ficado em segundo plano. Os temores pela saúde do sobrinho tinham sido a tônica do meu viver.
Então, chega a morte, batendo forte, sem suavizar nada. Decreta o fim de toda uma riqueza que existia e se renovava. Tudo que ele nos transmitia para bruscamente. Quando o nunca mais se instala, a dimensão da perda é incomensurável. Já me peguei cismando: ele estava aqui perto, ao meu alcance, desfrutei pouco de sua companhia...Ah! Quantas oportunidades joguei fora.
Ao partir, Beto levou todo o seu saber, criatividade, sagacidade e seu fino senso de humor. O que sentia, como sentia, o que prezava, o que amava… E a bondade! A doçura! Com ele se foi um tesouro ao qual não tenho mais acesso. As lembranças podem refletir convivência próxima e constante, porém nunca são suficientes. O que fica são saudades.
E agora? Tristonha, abatida, o confinamento inicial retorna com suas exigências:
Mantenha distância! Enclausure-se!
Muito cruel.