Amizade Fluida
Sou a calma, a serenidade das manhãs de verão com crianças mergulhando para ver cavalos marinhos e catar os mexilhões que cozinhariam numa lata de manteiga. Para mim, tê-las perto, rindo e brincando, era um banho de prazer. Não me esqueço da noite em que a amurada ficou apinhada de gente, todos maravilhados com um incrível fenômeno da natureza: plânctons aos milhares brilhando na escuridão. Eu repleto da magia intensa da luminescência bailante. Foi quando uma menina me fisgou para sempre ao mergulhar para reger o espetáculo. Batia as pernas e as mãos, intensificando o fulgor dos plânctons sendo agitados. Rodopiava, se agitava e dizia: mãe, estou acendendo a luz do mar. A partir de então, sempre que aparecia para nadar, eu me encantava com a dança líquida e delicada que nos unia. Eu a envolvia, ela me conduzia.
Não a vi mais. Disseram que tinha se mudado. Senti muita falta.
Mas, a reencontrei em outro local! Não mais uma menina, mas com a mesma felicidade transbordante no contato comigo. A alegria me inundou. Eu a recebi com tudo que sabia fazer: movimentos leves, outros mais fortes e rápidos, num convite para a dança. Trocávamos afeto e confiança. Deslizava em mim até a areia. Eu a amparava e levava com velocidade cheia de cuidados, não queria que se machucasse. Nos dias em que eu estava límpido e transparente, nossos balés se enchiam de beleza. Poder ver nitidamente a coreografia dos abraços, dos gestos sinuosos e suaves…era encantador.
Fiquei anos sem sua companhia, mas não a esqueci. Uma noite, reapareceu. Senti sua presença antes de vê-la! Estava com a família, indo de bote até o píer flutuante de um bar. Lá, pediu uma entrada de mexilhões gratinados e contou para suas crianças como os pegava e cozinhava na lata de manteiga — Morei perto daqui, quando o mar era limpíssimo. Relembrou os mergulhos adorados e o contato que a tornava leve e flexível num espaço cheio, fluido, confortável.
Ao ouvi-la, fiquei muito emocionado e respinguei seus pés com espuma.
Ela sorriu, se curvou, enfiou a mão na água me fazendo carinho e falou baixinho: Sei que você sabe que estou aqui. Vim te ver e mostrar aos meus netos onde e com quem fui muito feliz.