À Sombra dos Dias
São seis. Sempre seis…
Sentam-se como quem ocupa um posto sagrado. No banco da praça, todos os dias às nove e meia da manhã, se alinham sob a sombra desenhada de galhos. A árvore não tem folhas, só braços. Mesmo sem abraçar ninguém, projeta sua presença sobre aqueles corpos gastos. É outono no rosto deles. É outono nos galhos nus. Parecem não ter pressa.
— O Doutor está atrasado. Inaceitável.
Digo em voz alta, sem elevar o tom. Pontualidade é, para mim, um valor inegociável. Chegar após o segundo sino da igreja é um deslize de caráter. Mas eles não reparam nisso. Aceitam tudo, riem. A disciplina nos salva da dissolução.
— Deve ter caído da cama. Como em 58… ou 62? Não importa, eu estava lá. Foi a queda mais bonita que já vi. Abriu os braços, parecia Jesus na cruz. Quebrou o braço mas não perdeu a pose.
Bom saber que minha memória inventada ainda os faz rir. Se ele não chegar, conto mais uma história. Eles sabem que não paro de falar e fingem reclamar, sempre. É o nosso trato – eu minto bonito e eles fingem que acreditam. O tempo se distrai e nos deixa em paz.
— Se o Doutor não veio, não vem mais.
Olho para o espaço vazio onde ele deveria estar. Ele sempre chega antes da sombra tocar o muro atrás do banco. Hoje, até o sol parece estar desligado, sem aquecer. À espera da silhueta de casaco xadrez?
— Deve estar na farmácia.
Não creio. O Doutor nunca sai do caminho. Ele antecipa o tempo. Devo passar na casa dele? Não, a intimidade tem regras. Não fui criado para lidar com ausências repentinas. A ausência é… deselegante.
— Vai ver que está namorando.
Digo isso com um sorriso forçado. Não reagem.
— Encontrou uma viúva, cheia de saúde…fogosa. Ficou por lá, mais divertido. O riso não vem fácil hoje. As piadas batem e voltam, como se tivessem tropeçado em algo invisível. O desenho dos galhos parece mais escuro.
— Ele nunca avisa. Com febre ou sem febre, aparece. Talvez amanhã. Sim, talvez amanhã.
O silêncio está pontuado demais. As frases não sabem onde terminar…
— Uma vez ele falou que queria morrer tomando sol.
Todos me olharam.
— Era só modo de dizer, não era verdade. A gente diz muita coisa quando o inverno chega perto.
Mexi no chapéu, como quem tira fora um pensamento ruim.
— Ele deve estar cansado. As vezes me canso até de pensar.
E lá está o banco, um espaço vago e cinco idosos. Receosos. O sol já atravessa metade da praça. O desenho sobre o muro se alonga devagar, como à procura de alguém mais a cobrir. Ninguém comenta mais nada.
No dia seguinte, voltarão.
Talvez seis.
Talvez cinco.
Talvez apenas a sombra.