A Casa que Ficou 

Pedaços de tijolo sob o sol, parte de um telhado destelhado contra o céu, e algumas paredes cansadas, teimosas, de pé.

Na cozinha, sobre uma mesa de fórmica de cor irreconhecível, o desenho de uma planta baixa com traços quase apagados, ao lado de uma xícara imunda.
Mesa manchada, xícara lascada, paredes mofadas — como desejos interrompidos. Silêncio, espesso, denso.

Sobre a pia coberta de poeira, pratos com restos de molho, um copo de plástico com canudo colorido.
Ao lado da entrada, um carrinho de mão com a roda murcha.
No chão, respingos de cimento seco e restos reveladores de massa virada manualmente sobre o piso de tijolos de barro maciço.

Areia por todos os lados.
Janelas de um amarelo desbotado, ferrugem nas dobradiças, e a fechadura da porta arrombada.
Paredes com várias camadas de tinta, da primeira à mais recente, viscerais.

Na sala, sofás de alvenaria nus, duros, secos.
Num deles, deitada, uma boneca sem braços e sorriso sem dentes. Cara suja, um pé com sapato, o outro livre.
Na parede queimada de sol, um quadro levemente torto, em precário equilíbrio.
No chão, pequenos carrinhos de metal, peças de um quebra-cabeça, livros infantis antigos no topo do monte de entulho.
Ao lado, sandálias viradas — umas sem tiras, outra só a sola.
Em outro resto de parede, marcas de lápis com registros de alturas, datas, letras infantis quase apagadas.

Na borda da varanda, num quadrado de cimento, a impressão de um par de pequenas mãos ladeadas por diferentes farelos de conchas.
Uma rede de tucum ao vento, surrada como um prazer distante esquecido.

Capacetes no chão. Camisas úmidas sobre o espaldar de uma cadeira rachada.
Marretas encostadas, martelos tombados sobre restos de tijolo e poeira recém-assentada.
Pegadas fundas no pó, botas ainda marcadas pela argamassa.

As poucas janelas existentes, sem vidro — entrada franca para vento, chuva, maresia grudenta, destruidora.
As bordas da casa, esburacadas como dentes aos gritos de socorro.
Trincas recorrentes, cicatrizes eternizadas.

No banheiro, o mesmo espelho oxidado, manchado de pasta de dente seca.
As janelas num bate-bate de postigos, no ritmo da ventania invasora, sem ouvintes.

Adiante, poeira em suspensão.
No alto das paredes restantes, sombras fixas.
No fundo do quintal, pedaços de carvão, uma grelha enferrujada e uma cadeira de plástico sem uma perna. Ainda ali.

Nas marcas deixadas nos batentes, na lembrança do azulejo mil vezes rachado, no vazio de algum tempo, no sonho difuso de fotografias —
ela ainda ali.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *