O preço da correção
No hall de entrada de um edifício, uma moradora, à espera do táxi, observa um rapaz se aproximar do porteiro e fazer um elogio à “empregada” da patroa que o esperava na calçada. A mulher o corrige, sem perda de tempo: — Funcionária doméstica, por favor.
O rapaz se volta, surpreso. Desconcertado, se pergunta: o que eu disse de errado? Tinha que falar de forma mais elegante? Doméstica e funcionária…não é tudo a mesma coisa?
O fato é que muitos acreditam que o politicamente correto nasceu do respeito. Pode ser. O grande problema é como vem sendo usado: cheio de manias de pureza. É uma cartilha que poucos sabem ler. “Saber falar” tornou-se um privilégio distante dos que apenas tentam — e por que? Por falta de uma real igualdade social.
Para não corrermos o risco de ofender, inventamos frases e nos esquecemos de escutar quem fala com o coração desarmado.
Corrigir palavras não corrige as desigualdades. O preconceito continua, só que agora disfarçado. Medo, fome, ignorância, não se apagam com a repetição de novas sílabas. Enquanto houver quem lute por pão e dignidade, discutir se o termo correto é empregada ou colaboradora me soa quase cruel — uma imposição de elegância de quem já tem tudo, inclusive tempo para escolher quais vocábulos usar.
No quadro atual, o politicamente correto se assemelha a uma língua de castas. Os alfabetizados morais circulam com segurança entre expressões, locais e horas certos. Muitos outros tropeçam nas locuções e são julgados por isso. O que deveria incluir, exclui. Parece ser uma proposta que virou senha de acesso — um novo tipo de controle social disfarçado de virtude.
O futuro dirá se estamos apenas mascarando a censura com boas intenções.
Talvez, quando houver escola e trabalho digno para todos, já não precisemos de tanta etiqueta. Até lá, as palavras continuarão a ser o espelho mais nítido da desigualdade. Polidas por uns, rachadas na boca de outro.
19/10/2025