“Versão Não Autorizada da Adolescente”

Sou avó que se preocupa com os netos, com o que os atravessa, seus desvios inesperados, as infinitas possibilidades que moldam suas realidades.

E, de repente, a adolescente que fui me invadiu.

Meu mundo era outro.
Também dividido. Dois mundos. Três, com a escola.
Seguir regras? Sem problema. Gostava de aprender.

Os professores entravam, todos nos levantávamos.
Eles mandavam.
Se quisesse perguntar algo, levantava a mão, esperava autorização.
Havia respeito.
Tudo bem — tinha o prazer de ver meu esforço valorizado.

Em casa… difícil.
Muitas broncas, castigos.
Fazia de tudo pra mãe me ver, me notar, agradecer por eu ter lavado a louça…
Nada.

Porque tanta cara feia? Tanto desamor?
Você só me olhava na hora das broncas. Só pra isso.
Com que direito?

Mas eu tinha meu mundo. Pequeno. Meu.
Sonhos e transgressões silenciosas, tímidas.

Quer saber?
Fui muito ver a Tetê.
Não podia? Os pais são amigados? E daí?
Minha amiga. Ria comigo. Os pais dela me aceitavam.

Você… só queria saber:
“O que vão pensar?”
Toda hora isso.

Eu batia de frente.
Você não tinha o direito de querer que eu pensasse como você.

Castigo? Fico na boa.
Melhor. Bom pra ficar longe.
Você satisfeita. Eu no lucro.

Pra escapar da vigilância, decidi: não namorar.
Sem namorado, eu era livre.
Com namorado… tinha que sair com meu irmão do lado, vigiando.

Você, viúva, não namorava.
Queria que eu fizesse igual? Esquece.

Meu irmão era legal.
Muitas vezes ia prum lado, eu pro outro.
Mas pra você, ele era o perfeitinho.
Fingido, isso sim.

Quero tudo às claras.
Dane-se quem maldar o que eu faço, onde vou, com quem, a que horas chego.

E no meio disso tudo… me veio uma calmaria.
Com 17 anos, fui estudar nos Estados Unidos.

Você me deixou ir.
Pura sorte.

Lá eu era eu.
Não a filha de fulana, sobrinha de beltrano.
Eu podia SER.

O emocional não me bombardeava.
Pela primeira vez, vi tudo com clareza.
Pude analisar meu cenário familiar.
Ganhei confiança.

Voltei.
Me impus.
Sem medo de ser quem eu era.

Rascunho de pessoa?
Nunca mais.

Mas tive recaídas.

A pior foi abandonar a Psicologia na PUC.
Eu, com bolsa integral.

Mas uma professora pediu a análise do diário de um adolescente.

Um diário.

Como assim?

Entrei em pânico.

O diretor fez de tudo para eu voltar atrás.
“Ótima aluna, o que aconteceu?”

Como dizer que era medo?
Eu, mal resolvida, receava o que o diário pudesse despertar em mim.

Melhor fugir.
Melhor ficar bem longe.

Mãe…
Você nunca quis saber o porquê.

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