Entre Partidas e Chegadas

A data…sempre volta, todos os anos. Mais um aniversário, ainda bem. Hoje, sábado de manhã.

Acabei de acordar. Penso na minha cama, no meu travesseiro, na minha casa.

Meus netos vão estar lá! Vamos conversar, brincar, soprar as velas do bolo. Excitados, sorridentes vão ganhar presentinhos. Certamente me darão beijos e abraços, é sempre assim. Saudades. Já já chegarei.

Estou no minúsculo banheiro de um Boeing. Já escovei os dentes, penteei os cabelos. Agora lavo o rosto e as mãos.

Lavo as mãos de quê? Do que fiz, do que não fiz; do que vi, do que não vi; de tudo.

Quem é essa aí no espelho? Minha avó?! Estou olhando para uma pessoa muito parecida com a mãe do meu pai.

É, Vó, eu chego aí. Estou chegando onde você está. Tenho saudades, saudades dos tempos em que eu via uma avó jovem. Eu também era mais jovem, muito mais jovem.

Aqui estou, no final de uma viagem. Fui conhecer minha nova neta. Acredite, eu avó!

Concordo, é delicioso ser avó.

Viajei, passeei, me alegrei com a netinha e com a alegria do meu filho e da minha nora. Mas, senti falta da minha vida. Da rotina, do companheiro.

Lá, onde estive, um amigo morreu repentinamente. Ah, um bom amigo. Dizem que não sofreu. Não sei…os médicos sempre dizem isso. Na verdade, foi muito rápido. Será que ele percebeu a chegada da morte?

Ele estava feliz, tinha ido se despedir do filho, iam almoçar juntos. O aneurisma estourou impedindo o sonho: o cruzeiro que faria até o Rio. Tudo pronto, ele partiria no final do dia.

E partiu, sem dúvidas partiu. Eu pronta para recebê-lo no cais quando o navio aportasse. Tínhamos tudo planejado. A data da partida chegou e cumpriu-se o não planejado.

Terá ele pensado nisso? Terá tido tempo? Essas dúvidas me afligem, Vó.

Ao viajar nos deslocamos das bases. Nos abrimos para novas experiências, para conhecermos novos lugares e pessoas. Mas  também pode ser um modo de disfarçar o que já não nos estimula, que pesa, que faz com que continuemos os mesmos.

Exatamente os mesmos, não. Sempre mudamos…cada dia mais velhos. Sabemos bem disso, não é Vó?

Tenho que parar, me despedir. Foi bom conversar com você.

Agora é calçar as botas, juntar minhas coisas, avião chegando.

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