Meu paladar pirracento
Meu paladar pirracento
Há problemas pessoais muito profundos, bem sei. Dos meus, o pior é meu paladar pirracento. Sim, estou sempre em luta com ele — que se acha no direito de decidir quais sabores são suportáveis e quais os insuportáveis. Isso é intragável! E eu, como fico?
Tenho, por exemplo, uma péssima relação com cominho. Basta ouvir o nome dessa desgraça que minha boca seca, a língua se retrai, os lábios cerram. Nada entra, e há o perigo de algo indesejável sair. Bastam mínimos grãos desse tempero se intrometerem para meu prato virar um território minado. Já tentei fazer as pazes. Fechei os olhos, inspirei fundo, deixei umas sementes pousarem na minha língua por milésimos de segundo e…quase virei do avesso. Não adianta, sua presença sorrateira sabota meu sistema sensorial.
Sei que a repulsão degustativa não é exclusividade minha. Um grande amigo trava um terrível tormento com cebola. O problema?
A textura. “Não é mole, nem dura. Canta nos meus dentes!”, ele reclama, entortando a boca com ar de nojo. E ainda completa “o gosto da cebola pode participar dos meus pratos, mas ela ao vivo, a cores, jamais!”.
Mas, o caso mais sério é o do meu marido: ele odeia coentro. Não pode nem pensar nessa erva “detestável”. Segundo ele, é culpa do DNA. Afirma que há pesquisas indicando que essa aversão específica pode ter base genética. O grande problema é que eu, de ascendência nordestina, adoro coentro. O que fazer? Acordos que garantam a harmonia conjugal: nem coentro e nem cominho convivem em nossa casa. E atentem para o atrativo: o coentro é uma hortaliça afrodisíaca, pode restaurar a energia sexual de ambos os sexos. De nada adiantou eu vir com essa argumentação. O não ao coentro venceu.
A grande questão é: será que o sabor muda com o tempo? Talvez, quem sabe, pode ser. Quando era jovem, detestava jiló. Hoje, tomo o partido desse legume como uma causídica de defesa. O segredo é cortar em lâminas finas e fritar até ficar crocante! Experimentem, vale a pena.
Dizem que fome muda de gosto e a apreciação se torna mais indulgente com a velhice. Mas será que eu, em momento extremo, esfomeada ou velha decrépita, aceitarei o abraço traiçoeiro do cominho? Impossível, prefiro ser poupada dessa provação.
Sem querer ser muito dramática, mas sendo, digo que: se alguém me vier com a lengalenga de “experimenta de novo, você pode gostar.”, calafrios irados hão de me invadir. Essa de “educar o paladar”
não me convence. A memória gustativa não perdoa: palato sabotado protesta, persiste e pune. E o cominho? Continua condenado!