Enquanto Esperas

Ela escreveu de novo. Te confiou mais uma criação. Lá no finalzinho, claro, te cita, diz que trabalha em silêncio e se guarda entre teus papéis. Os processos, fazer e refazer, parecem bastar para ela. Poético, não? Seria bonito, se não fosse trágico. Porque não é ela quem protege seus escritos. És tu.

Tu escutas tudo: os suspiros, os engasgos, os risos abafados enquanto ela trabalha. Os tic-tic dos dedos ágeis que voam no teclado. Ela lê, revê e depois despeja tudo em ti, te fecha e te esquece. Ela cria e não mostra. Não tenta publicar. Diz que só sabe fazer — que não sabe se promover, muito menos vender.

E tu? Ficas segurando tudo. Recebes folhas grampeadas, feridas, rabiscadas — umas com raiva, outras com ternura, algumas inacabadas. Empilhas promessas vencidas. És o limbo das ideias. Queres isso? Já pensaste em emperrar, vomitar tudo, te abrir sozinha — qualquer coisa que a faça se mexer? No fundo, aproveitas: lês, te atualizas, te enganas. Há contos ótimos.

Mas, de que vale um bom texto sem leitura? Não é para ti que ela produz. És pouco. A voz dela precisa sair, gritar no mundo. Lembras daquele poema que ela dedicou a uma amiga em estado terminal? “É duro ver você de olhos fechados, nessa cama de hospital, imóvel. Parece ausente mas sei que me ouve.” Ela tenta reanimá-la, torce por sua recuperação, suplica que acredite, que tenha paciência. “Aceitaremos o que você decidir. Você sabe, nos saberemos.” Tu leste e só não choraste porque és gaveta.

Conheces bem o que ela guarda e o que ela teme mostrar. Vês quando ela te abre, lê um trecho antigo e fecha rápido, como se fugisse de si mesma. Teu medo maior é que ela decida se livrar de tudo, fazer uma faxina, te esvaziar, rasgar ou queimar cada página.

Se pudesses, conversarias com ela. Sugeririas temas, farias observações que talvez lhe dessem coragem. Mas nasceste para abrigar, viver calada. És silêncio e memória.

E, ainda assim, esperas.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *