O retorno do amigo perdido

Até que enfim você chegou!

—  Desculpa, me atrasei. Saí do cartório com as firmas reconhecidas e vi um sebo novo pra mim. A curiosidade me venceu, entrei — só pra apreciar seu interior, sentir o cheiro dos livros. Foi a melhor coisa que fiz. Encontrei um amigo que não via há tempos. 

— E ficou de conversa…

— Ah, foi um feliz acaso.

— Acaso? Desde quando você acredita nisso? 

— Chame de destino, se preferir. Recuperei um grande conhecido, isso sim.

— E quem é ele? 

— Você não vai acreditar.

A conversa esquenta. Ela fala com brilho nos olhos. Seu amigo se cala, curioso.

Tira da bolsa um pocket book surrado. Uma fita de linho tenta proteger o que restou da lombada.

— Passou anos ao meu lado. Mas, um descuido nos separou. Culpa minha. Entrei em desespero e fiz de tudo para reencontrá-lo. Hoje ele me encontrou.
Ele observa o livro marcado pelo tempo.

— Isso aí? — comenta, com expressão de surpresa.

Ela apenas sorri.

O pequeno volume exibe capas gastas. As folhas têm orelhas dobradas, e cada página parece tingida por anos de histórias sob luz e poeira.

— Mas é um bagaço!

— Não, é um sobrevivente. Ia ser descartado. Esbarrei numa mesa e ele caiu aos meus pés. Assim que o reconheci, o agarrei. Não sabia se chorava ou se ria. O vendedor repetia Sem problema, é velho, sem valor. Se afastou e voltou com um exemplar de “Crime e Castigo” quase novo, capa dura, de edição primorosa: É a mesma obra e em ótimo estado.

— E você? 

— Não quis trocar. Não queria um exemplar bonito e vazio. Queria um companheiro cheio de vida.

Os dois se calaram por instantes.

— Conta mais…

Ela, sorrindo, continua,

— O rapaz não acreditava que eu preferisse uma obra cheia de interferências desrespeitosas.

— Você preferiu o velho surrado?!

— Claro! Ele tem histórias. Conversou comigo e com muitos outros leitores. Frases sublinhadas, anotações…cada marca é uma fala. Esse texto já me ensinou tanto! Veja aqui, na última página — é minha letra! Lembro bem do dia em que o analisamos em classe. Nosso mestre citava trechos e os comentava com admiração.  

— Esse pocket book foi seu?! 

— Sim. Desprendeu-se de mim por engano. Na mudança pra Copacabana, cansada e desatenta, joguei-o na caixa de doação. Como o procurei! Hoje, ele me encontrou. 

Os amigos se olham, num entendimento calado que só grandes amigos têm.

Ela acaricia sua prenda dizendo,

— Ele é um guardião silencioso de memórias. Sua capa desbotada e as marcas dos toques de mãos curiosas sussurram conversas antigas. As dobras nas folhas são as breves pausas na leitura. E o aroma? Mistura de papel envelhecido e palavras que não envelhecem.

O poder de um bom livro é eterno!

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